sábado, 19 de junho de 2010

Qual o transporte do futuro?

Sem auto-estradas gratuitas nem boas estradas nacionais, pode a ferrovia voltar a ser uma saída?


Não há auto-estradas gratuitas e as concessões Sem Cobrança ao Utilizador - SCUT também já são taxadas. Enquanto isso, o preço da gasolina sobe e a pressão dos ambientalistas sobre os transportes individuais também. Quem opta pelos transportes públicos salta no banco tal é o estado de degradação das estradas nacionais.

E a ferrovia? Será uma saída? Será o comboio o transporte do futuro ou estará a tornar-se num objecto de nostalgia? "Até 1950, muitas linhas ferroviárias perderam a sua vocação, uma que vez que, quando foram criadas, não havia alternativas", diz o professor José Manuel Viegas. E hoje - que alternativas há?

"Basta conhecer as estradas nacionais para concluir que a rodovia portuguesa tem sido alvo de um grande desinvestimento", alerta Rogério Gomes, presidente da Urbe - Núcleos Urbanos de Pesquisa e Intervenção. As boas estradas para circular são pagas e incluem custos adicionais, como a gasolina.

"Quem alguma vez pensou que as auto-estradas seriam gratuitas, comprou uma dose de irrealismo", continua. Segundo o Portal do Governo, "auto-estradas gratuitas não existem. Existem sim auto-estradas pagas pelo utilizador, auto-estradas pagas pelo contribuinte em geral ou auto-estradas pagas por ambos simultaneamente". No caso das SCUT, o utente, utilizando-as, ou não, já as pagou. E continua a pagá-las com os seus impostos.

Talvez os mais de 100 mil condutores afectados pelas futuras portagens das SCUT ponderem soluções mais económicas e, quem sabe, menos poluentes, como o comboio, o mais democrático dos transportes. Mas, qual o estado da ferrovia portuguesa? De que investimento tem sido alvo? Fomos falar com peritos e investigadores: há escolhas a fazer. E será uma saída?

Na era dos cortes financeiros, em (quase) todos os sectores, "é normal que algumas ferrovias sejam inviáveis", constata José Manuel Viegas, docente no Instituto Superior Técnico. Mas o que Rogério Gomes, presidente da Urbe, não consegue entender é "a gestão destrambelhada a que tem sido sujeita a ferrovia nacional".

Para sustentar a acusação, lança o caso da linha da Beira Baixa: "Está a ser modernizada, mas basta o autocarro para assegurar a meia dúzia de curiosos que lá viajam. Já a linha do Oeste é uma desgraça. Mas tem muito potencial".

Na sua perspectiva, a "longo prazo", investir na ferrovia passaria por "articular as linhas à escala metropolitana e fazer a ligação interdistrital". Como concretizar, financeiramente, este plano? "Secar os gastos abusivos; fazer reflexão profunda sobre a exploração comercial das linhas; e articular o comboio com os outros meios de transporte".

Carlos Sá, da Associação Comboios XXI, avança outra sugestão. Por que não "canalizar o dinheiro das novas portagens das SCUT e dos que mais poluem para os que menos poluem? A verba seria aplicada na automatização dos sistemas de comando (muitos deles ainda são manuais, designadamente nas passagens-de-nível) e na renovação da frota".

No futuro, "o caminho-de-ferro será a grande resposta às deslocações de massas, até por razões ambientais", continua. No presente, "há linhas, como a de Braga, Guimarães, Penafiel e Aveiro, que estão a abarrotar e têm uma resposta escassa. Não há verbas para mais composições".

Contudo, a REFER - Rede Ferroviária Nacional garante que "há investimentos em curso". Mas, enquanto o "plano de investimentos está a ser objecto de revisão", pode apenas assegurar que as Linhas do Minho, Norte, Baixa e Alentejo estão a ser alvo de intervenções na actualidade, entre outras estruturas da rede.

Decorrem ainda "projectos transversais", por exemplo, no que diz respeito à segurança de túneis, pontes e passagens-de-nível, informa fonte da REFER. A aposta na modernização tecnológica e no transporte ferroviário de mercadorias também estão a ser focos de investimentos, garante a empresa.

Comboios de serviço social?

Há linhas ferroviárias que pouca gente transportam e que permanecem activas. Linhas com custos superiores à sua rentabilidade. E "é normal", defende o docente José Manuel Viegas. "Com a crise económica que vivemos em Portugal e em toda a Europa, é preciso ponderar: Corta-se numa linha cara e pouco usada ou nas pensões? O que é mais importante para o Estado? Não podemos ter tudo".

O professor e consultor na área dos transportes entende que o realismo de "fechar a loja quando ela deixa de render" pode ferir a "sensibilidade nostálgica" de alguns. "Mas a verdade é que linhas que dão prejuízo já não prestam um serviço socialmente relevante".

Sem alegria na voz, Joaquim Tolido, vice-presidente da ADFER, reconhece que "só por solidariedade se poderiam manter activas muitas linhas no Interior do país. Há territórios onde jamais se justificará".

Veja-se o caso do Alentejo: "Representa um terço do território do país, onde vive cinco por cento da população portuguesa. Aqui, a procura não justifica os custos" - exemplifica.

Um exemplo mais gráfico ainda: "Traçando uma linha de alto a baixo de Portugal, vê-se que no Litoral vive 90% da população; do meio até à fronteira, 10%. Isto faz com que seja muito difícil fazer uma verdadeira rede ferroviária", admite Joaquim Tolido. Ora, se o comboio é o mais rápido e barato dos transportes, "há um problema democrático no país", conclui.

De facto, "um país democrático tem que ter uma plataforma ferroviária nacional que permita a deslocação de todos por valores razoáveis e com algum conforto", afirma, por seu turno, Rogério Gomes.

Mas há quem tenha outras perspectivas. Há sempre a possibilidade da "privatização, como foi feito em Bruxelas", sugere Carlos Sá. Segundo a teoria do "serviço social", as linhas mais rentáveis poderiam garantir o equilíbrio dos serviços, como uma espécie de subsídios para as linhas do Interior". Só por solidariedade.

Tanta velocidade para quê?

"Se há voos para Madrid a 30 euros, para quê pagar 130? É preciso explicar isto". Para Rogério Gomes, quando se fala em Trem de Alta Velocidade (TGV), também é necessário esclarecer como é que "um país sem condições para aventuras assume isto como um projecto prioritário".

Na perspectiva do presidente da Urbe, o TGV "está longe de ser prioritário a nível nacional", até porque "apenas privilegia os pontos de partida e chegada". Logo, "nada faz pelo desenvolvimento regional".

Para potenciar o progresso além do Porto, de Lisboa e de Faro, "serviria melhor uma velocidade mais lenta, com paragem em outras cidades, e uma ligação rápida, mas não alta, entre Porto e Lisboa. A alta velocidade não é absolutamente necessária" - defende, por sua vez, Carlos Sá, da Associação Comboios XXI.

No mesmo sentido opina Joaquim Tolido, da ADFER, para quem "a velocidade não é assim tão relevante em distâncias internas, designadamente entre Porto e Lisboa e Algarve". Na sua opinião, a questão que se coloca é outra: o que está Espanha a fazer com a sua ferrovia? "Temos que estar atentos para, no momento certo, planearmos uma articulação com os espanhóis com vista à ligação europeia". Joaquim Tolido está convicto de que "o grande objectivo passa por criar linhas internacionais e permitir trocas comerciais de relevo dentro da Europa".

Já Carlos Sá baseia-se no exemplo da ligação ferroviária entre Paris e Londres, que é "sempre rentável, mesmo sendo o preço do avião mais barato", para considerar o TGV "necessário e indispensável". Mas questiona a ligação escolhida para Madrid: "A mais longa e a menos rentável. Um frete aos espanhóis".

Afinal, quem terá de mudar a bitola?

Fonte: JN

Sem comentários:

Enviar um comentário